Drag queens caricatas falam do riso! Mas o futuro pode ser sem graça

No Dia Nacional do Humorista, quatro artistas importantes do transformismo falam da proeza de fazer gargalhar

Publicado em 12/04/2021

Drag queens caricatas: Suzy Brasil, Thalia Bombinha, Aluvania Butantan, Ginna D'Mascar

Entre a boca com gloss caríssimo e ela bem aberta mostrando todas obturações de amálgama, elas querem a segunda! E a sua! Na arte do transformismo, essencialmente ligada ao gênero, as drag queens caricatas são as donas das gargalhadas! 

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Para celebrar o Dia Nacional do Humorista, neste 12 de abril, o Guia Gay conversou com quatro importantes nomes dessa arte-riso do vale.

E são vários talentos reconhecidos por acaso, origens escalafobéticas dos nomes, figurinos e maquiagens pensados como motivos de graça e o suadouro constante de ter referências para elaborar tiradas e piadas capazes de fazer você esquecer que existem crushes por perto e só olhar para elas!

Dentre tantas lembranças e desafios presentes, o futuro parece ser tão animado quanto uma reunião de condomínio para aprovar a contabilidade. 

Cadê a nova geração das drag queens caricatas? Nem adianta levantar a peruca de Ru Paul! Não está lá! 

Aluvania Butantan

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Uma das principais apresentadoras de bingos em saunas gays de Salvador, Aluvania Butantan, personagem de Eddie Strauss, nasceu há cerca de 20 anos no palco do Bar Adê Alô - o antigo Rosa Negra, na Praça Carlos Gomes, centro da cidade.

Ali, Strauss conviveu e absorveu ensinamentos de nomes tais como Jessica Blander, Rosana Migller e Lázaro Domingo. "Eles nos nos deixavam encantados com tudo aquilo."

A inspiração maior? O ator Lelo Filho: "Eu tinha uma paixão pela sua personagem Fanta Maria. Eu amo teatro e na época a Cia. Baiana de Patifaria estava no auge com [a peça] A Bofetada", lembra.

"Foi aí que resolvi criar Aluvania Butantan, a que mata a cobra sem dó, da jararacuçu à cobra cipó", diverte-se com seu bordão.

O cotidiano de Strauss vira material de trabalho. "A maioria das histórias contadas nos palcos são vivenciadas por mim mesmo ou alguém próximo. Eu costumo acordar às cinco e meia da manhã para sair de casa pronto às oito horas, pego ônibus, metrô, Uber e fazer ações promocionais em portas de lojas... Costumo dizer que Aluva tem vida própria. Passo mais tempo como Aluva do que como Eddie", conta aos risos.

"Por ser caricata, gosto muito de coisas alegres e engraçadas", diz ele sobre seus figurinos garimpados durante suas andanças para trabalhos na cidade. "E as amigas me dão muita coisa (adoroooo)."

Eddie conta que dentre a comunidade LGBT, seu público é mais velho. "Os mais jovens desse segmento não veem com bons olhos os artistas caricatos. Eles ficam deslumbrados com o glamour. Mas enquanto existir Aluvania Butantan, Corona Vak, Ginna D'Mascar e Kiloxana de Lacrerri, as noites hilárias de Salvador estarão garantidas", decreta.

 

Ginna D'Mascar

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Ela tomba, mas também deveria ser tombada! Calma, não no sentido gay do termo, mas no histórico mesmo! Ginna D'Mascar, personagem do ator Aldo Zeck, alagoano de Maceió, é uma das grandes representações do humor caricato drag no Brasil.

"Era agosto de 2004, em Salvador, eu era gerente de um bar que só tinha movimento no fim de semana e fui desafiado pelo meu chefe a criar uma festa ou evento para ter outro dia movimentado", recorda-se Aldo.

"Depois de procurar atrações na cidade e nada me agradar, resolvi eu mesmo fazer um show, sem rótulos nenhum, era apenas o ator querendo falar. E hoje quem mais fala sou eu, a personagem."

O nome, por si só engraçado, foi parido no susto! No dia, seu chefe questionou qual seria o nome da personagem. "Na mesa do bar em que estávamos tinha uma caixa de palitos de dente Gina. Todos da mesa aprovaram e assim ficou."

E o D'Mascar? "Depois que você limpa o dente com o palito, nunca ou quase nunca você joga a comida fora, geralmente mastiga novamente". Finesse em forma de drag! 

O artista conta que nem sequer tinha ideia de que ele poderia ser engraçado. "Eu vim do teatro. Lá, minhas experiências no palco sempre foram tensas e trágicas, de Nelson Rodrigues a Jean Genet. O fazer rir nasceu junto comigo."

E como é encarar o desafio de fazer rir? "É difícil isso, mas, quando é vencido, é gratificante. Quando sinto que a plateia resiste um pouco, esqueço da 'responsabilidade' de fazer rir e foco em apenas me divertir fazendo. Daí, quando percebo, já estamos um nos braços do outro, eu e o público."

Quanto à criação dos números, vai no fluxo. "Ouço uma música e se gostar faço. O ensaio é fazendo, é tudo muito intuitivo."

"Os figurinos, eu mesmo nunca pensei em nada, ou ganho já pronto ou são peças aleatórias que escolho. Sou conhecida como a rainha da mulagem porque de um vestido faço vários outros."

Sobre o futuro da arte caricata, Aldo é reticente. "Quando se pensa em arte drag, parece que a caricata não faz parte. No imaginário é só beleza e glamour e é no que a maioria dos atores montam seu alter-ego."

"Morrer não vai, porém cada vez menos surgirão... Ao mesmo tempo, as 'bunitas' estão se esforçando para serem engraçadas no microfone, pois é só assim que se segura uma plateia por duas, três e até quatro horas de show."

 

Suzy Brasil

suzy brasil drag queen

É difícil alguém da comunidade LGBT (e muitos fora dela também) não conhecer - e morrer de rir com - Suzy Brasil. A drag criada por Marcelo Souza já participou de vários programas de TV e, em tempos de pandemia, sem poder subir aos palcos cariocas, viralizou no Twitter, seja com lives entrevistando personalidades seja com rápidas e divertidas esquetes.

"Na verdade, eu não me acho uma pessoa engraçada. Eu sei fazer o humor, eu tenho timing - o tempo certo da piada", explica Marcelo, que também é roteirista de programas do Multishow.

Professor de biologia, Marcelo começou a fazer teatro em um centro espírita kardecista que frequentava. "Continuei fazendo teatro no Ensino Médio, peças que falavam do meio ambiente, mas sempre amei humor."

Marcelo cita o marcante programa de humor TV Pirata (1988-1992) da TV Globo como sua grande inspiração na televisão. E na cena LGBT? "Rose Bom Bom e Lorna Washington", cita.

"Rose fazia aquele humor escrachado, que vinha da arte do palhaço, o Pedro (que vivia Rose), era palhaço, o palhaço Pinduca e ele conseguiu mesclar isso com o transformismo. E Lorna que tinha um humor ácido, picante, também calcado em cima do bullying, que era uma realidade na época. Ela conseguia ser fina, madame e falar todas as sacanagens do mundo e ser engraçada."

O nome vem do deboche. "A princípio me deram o nome de Jaqueline Fontair, mas como fiquei muito bagaceira, me colocaram Suzy Brasil: Suzy é nome de cachorra e Brasil, esse paisinho que a gente vive."

Sobre as performances, Marcelo diz que não gosta de dublar músicas que já são engraçadas. "Eu gosto de fazer graça em cima de músicas sérias, românticas, ou músicas super pop que não remetem ao humor, e aí você inserir coisas que deixam a performance engraçada." 

O riso sai fácil do público, mas consegui-lo não, defende o artista. "Ser caricata não é só botar uma peruca feia, falar palavrão e fazer uma maquiagem estranha. Ser caricata é você parar uma pista de dança, no auge, no meio da madrugada, onde as pessoas estão ali bêbadas, às vezes drogadas, às vezes foram só pra pegar, e você parar e segurar atenção daquela galera! Você tem que ser muito inteligente, muito sagaz."

Mas tal como a pintura de um palhaço que chora, Suzy não prevê dias risonhos no futuro. "Pra mim é muito claro porque a arte caricata está ficando escassa. A gente tem o RuPaul's Drag Race, que influencia essa galera jovem, que está iniciando. A galera que assiste ao reality, ela quer ser aquilo ali."

Mas drag que é drag não deixa a peteca cair! Marcelo acredita que tudo se transforma. Se hoje, por exemplo, no Rio há poucas boates para se apresentar, a internet é um veículo que pode aproximar o artista do público. "A arte caricata nunca vai morrer! Vai ter altos e baixos, a coisa vai se adaptando e se transformando pros veículos novos."

 

Thália Bombinha

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Da recepção para o palco! E por acaso! Esse foi o início de uma das drag caricatas mais talentosas do Brasil, Thália Bombinha, recifense que fez sua carreira em São Paulo. Vinte quatro anos completados em 2021 e contando!

"Eu era recepcionista na extinta boate Nostro Mondo. No final do ano, havia uma festa de confraternização dos funcionários, na qual os artistas assistiam ao show e quem se apresentava eram os funcionários (barman, limpeza, camareiro etc.)", diz o artista que dá vida à drag, Jansen França. 

O batizado foi completo, inclusive na denominação da personagem. "Fui me apresentar e não tinha um 'nome'. Na época, passava no SBT as novelas mexicanas e eu era fã da Thalia (Marimar, Mario do Bairro). Li em um jornal da época que ela viria ao Brasil, só que o nome dela estava com acento na letra A: Thália. E como tenho asma, quando me apresentei, soltaram aquela fumaça no palco e eu usei minha bombinha (remédio para asma). Um grande cinegrafista da época, Francarlos, me chamou de Thália Bombinha. E assim o nome pegou."

A sua meta era o g de glamour, mas acabou no de gongação mesmo, lembra. "Comecei fazendo 'a fina', queria ser 'bonita'. Só que quando terminava o número musical e a apresentadora conversava comigo, sempre saia uma piada e o público ria. Daí as pessoas começaram a me chamar pra trabalhos de humor e com o passar do tempo fui me aperfeiçoando."

A gargalhada que ele provoca tem história. Como referências, Jansen cita Lenka Saad, Pandora Boat e Simplesmente Nenê. Só que o riso frouxo pode não continuar! 

"Não vejo muita valorização nos números de humor hoje. A geração 'Drag Race' só valoriza o bate-cabelo, o close, o carão… E as boates que poderiam dar outras opções para o público, também não o fazem. Os próprios diretores artísticos não se esforçam para criar números de humor."

Alguém borre a maquiagem de RuPaul, por favor! 


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